Juventude da
Velhice
“
- Sabe quem
poderá substituí-lo? O espírito dele que ficou em centenas de corações.”
Autor desconhecido
Na juventude da velhice, passava a maior
parte do tempo em casa. A cadeira de balanço, os livros e um rádio; ferramentas
utilizadas para esticar o tempo.
As histórias, contadas ao som da música
da tristeza, ajudava-o a enxergar as lições da vida. Vida comparada a que
conheceu no interior do sertão onde nasceu e cresceu ao lado do sofrimento, ao
lado da seca.
Entre outros tantos bravos, conheci um
que deixou a sua terra para tentar a vida na cidade grande. Com salário curto
levou uma vida regrada. Casar e educar os filhos foram as únicas aventuras.
Acostumou-se a ter pouco e, com este pouco fazia milagres: uma reserva sempre
estava a postos para os dias difíceis.
Adoeceu ainda moço e logo se aposentou.
Daí em diante a vida tomou outro rumo. O vigor da força física foi deslocado
para a mente, onde a leitura o mantinha atualizado e em constante atividade.
Sentia-se forte, vivo ao saber que, embora preso em sua própria casa, ainda
podia fazer alguma coisa por alguém. Encontrava na conversa, no bate-papo, um
bálsamo fortalecedor. Raros, eram os dias sem visitas. Evitava assim,
entrincheirar-se e ser levado a um imaginário distante e distinto do tempo em
que viveu.
Lembro-me sentado na cadeira de balanço
com os dias minguantes. Livro na mão, rádio ligado, enquanto o mundo lá fora
girava sem parar. Ainda assim, nunca perdeu a esperança. Costumava dizer: um
dia a minha vida será outra.
As horas de repouso eram mínimas: uma
após o almoço e quatro na madrugada, quando as idéias perdiam o brilho, cediam
ao sono. Quando perguntado sobre o que sonhara respondia: Não me lembro. A alma
presa ao seu mundo - a casa - não alimentava fantasias. Nem por isso sentia-se
entregue. Via a vida passar, mas não se entregava, não permitia ser impossível
vivê-la. Afastava a solidão, o ostracismo embriagando-se com os diálogos. Certa
vez, presenciei um:
-
Malaquias, você sabe que Jerônimo vai se casar?
-
Não. Com quem?
-
Feliciana, a filha de Porfírio, lembra-se?
-
Fe li ci a na? Impossível, ele mesmo disse que jamais se casaria com ela!
-
Pois é. Mas, quando soube que o pai tinha umas terras, mudou de opinião,
resolveu casar.
-
Samuel, onde já se viu dinheiro comprar felicidade.
-
Tem razão, mas ele não pensa assim.
-
O que trás felicidade é ser compreensivo, saber ouvir e agir nas horas certas
com poucas palavras. Sugerir ao outro uma alternativa e deixar que ela assuma a
ideia.
-
Até certo ponto eu concordo. Quando se visa dinheiro, por mais que se ofereça
outra coisa o outro nunca ficará satisfeito.
-
Depende. Pode ser que a convivência mude as intenções. Entretanto gostar mesmo,
sentir amor pelo outro, será difícil. Não considero impossível. Mas, neste
mundo, com boa vontade, se consegue tudo. Depois, talvez ele enxergue que o
dinheiro não lhe deu felicidade e mude de atitude.
-
Ainda acho que, mesmo assim, se ele quer casar porque pensa em ter conforto com
o dinheiro dela, dificilmente mudará as intenções.
- Jerônimo não está
sendo sincero, nem com ela, nem com ele mesmo. Depois de algum tempo, vai
descobrir que não valeu a pena. A falta de sinceridade lhe trará dinheiro, mas
não felicidade. Feliciana poderá demonstrar amor por ele sem receber? Será
difícil. Eles vão conviver num mundo de falsidades. A vida de um casal deve ser
construída em cima de sinceridade. A sinceridade gera confiança, une. A
falsidade separa. A harmonia gera compreensão. A desavença a incompreensão.
-
Tem razão, se confiarmos em quem fala, acreditaremos no que ouvimos.
-
A conversa é um bom começo para os que querem se acertar. Nada melhor do que
concluir uma boa prosa enxergando uma saída para os problemas ou um sentido
para a vida. Ficará mais fácil se o outro compreender que existe certa
cumplicidade na busca de uma alternativa.
Era assim que meu pai enfrentava o
mundo, apesar dos maus momentos que passou. Várias vezes o ouvi dizer: Deus
sempre nos surpreende. Se for coisa ruim tento esquecê-las, substituí-las,
eliminando-as da mente. Às vezes faço uma troca. O prazer de executar qualquer
coisa nos faz esquecer, nos distrai e alivia o sentimento. Experimente. Veja
como é fácil.
Desta forma, levava a vida. Lado a lado,
juventude e velhice. Estado terminal do corpo, não da alma, nem do espírito. E,
segundo ele, o espírito, após a morte do corpo se integra ao todo, ao cosmo
para depois voltar... E não concluía a frase. Outra vez me disse: Há vida em
tudo. Até na morte há vida. O estado permanente de transformação da matéria faz
da morte, vida.
*
* *
Um comentário:
Registrando que li. Gosto da sua forma de escrever. Prende a atenção.
abraço
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