sexta-feira, 11 de abril de 2014


O Relojoeiro

                        " Nada é mais poderoso do que
  uma idéia que chegou
 no tempo certo."

                                                Victor Hugo


Há muitos anos, conheci um relojoeiro cuja dedicação pelos relógios de parede o destacava dos demais profissionais do ramo e todos na cidade o conheciam por “Meyer relojoeiro”, a oficina era em sua própria casa, o que contribuía para tornar o horário de trabalho interminável, e consertos difíceis eram passatempo; ao descobrir o defeito, sentia a alma renovada, e quando algumas vezes, o corpo, a vista, indicavam que era chegado o momento de parar, resistia; a idéia de não ter o que fazer o impulsionava mais e mais ao trabalho, e driblava o cansaço limpando e polindo as ferramentas até que as badaladas da meia noite nos mais variados tons indicasse a hora de se recolher e num desses serões, após a melodia da zero hora, notou um relógio parado; ficou surpreso, pois durante o dia funcionou com perfeição, agora os ponteiros estavam superpostos no número doze; cansado, sem coragem àquela hora, entregou-se ao repouso, mas não conseguiu dormir e, no estado de torpor, quando não se distingue sonho de realidade, pensou: “interessante, não é a primeira  vez que conserto este relógio e sempre os ponteiros ficam superpostos, no ano passado aconteceu a mesma coisa, a engrenagem estava perfeita, os ponteiros não se tocavam, portanto, não deviam parar e ouviu uma voz: “não sabe que nós, ponteiros, também temos os mesmos problemas que vocês humanos e que precisamos de tempo para conversar, nos entender e nos amar?”; assustou-se no que ouviu: “não, não acredito no que estou ouvindo, devo estar cansado ou enlouquecido” e de novo a voz: “acredite no que está escutando, quem lhe fala é o ponteiro dos segundos, o responsável pela vida dos outros dois; e o relojoeiro respondeu, “podem os ponteiros falar, pensar? – “sim,  e também agir, a hora e o minuto formam um casal, e estão sujeitos ao dia a dia de encontros, desencontros, ....” Meyer saiu do torpor  e comentou em voz alta: “Hoje não estou bem, preciso descansar, trabalhei demais; estou atribuindo sentimentos aos ponteiros!”

No dia seguinte, veio-lhe a idéia de mudar o mecanismo dos relógios, criar engrenagens, fazer os ponteiros pararem juntos e que com um simples toque voltassem a funcionar com a hora e os minutos atualizados, assim discutiriam com mais calma os problemas que os afligem: “Meu Deus, estou mesmo louco, estava dormindo ou acordado? terá sido sonho? O dia que agora vivo, é real ou imaginário? De onde veio a voz? Será que pretende me ensinar a trabalhar, logo eu que não admito sugestão? Essas perguntas tornaram-se fixas, obsessivas e, dia após dia, pensava em encontrar uma solução fabricando peças, iniciando a montagem e, no fim de algumas semanas, concluiu o trabalho; radiante, pendurou o relógio na parede e comentou: “hoje vocês terão tempo para conversar; espero que, daqui por diante, quando estiverem juntos, se encontrem, mas ao voltarem a funcionar, não atrasem, indiquem a hora e os minutos certos, com precisão”; durante toda a semana o funcionamento foi perfeito: nenhum minuto ou mesmo segundo foi prejudicado; entusiasmado com o feito, esqueceu que era chegado o dia da devolução daquela máquina conforme prometido ao dono, e a angústia voltou a lhe perturbar com a idéia de encontrar uma alternativa para não devolvê-lo e, viu que a solução, seria alegar que o relógio não tinha mais conserto; que era melhor vendê-lo e comprar outro; que aquele se prestava apenas, para a retirada de algumas peças e a decisão caberia ao dono: vender ou ficar para relíquia, e no dia da entrega, estava nervoso, a concentração falha, o trabalho difícil; quando o dono chegou, perguntou: Você quer ficar com ele? Me dê qualquer trocado e será seu; a emoção redobrou, pois aquele relógio lhe revelara que até os mecanismos de aço precisam ter descanso e deste dia em diante, todas as vezes que olhava para os ponteiros os via pessoas, e para tanto, deveria dar-lhes conforto por cumprirem a jornada de trabalho e duas vezes por dia permitia-lhes a chance de estarem juntos; numa delas, o tempo era bem maior; o relógio não mais se atrasou ou se quebrou, mesmo após a morte de Meyer, quando passou pelas mãos de outras pessoas que se comprometerem a dar continuidade à operação.

* * *

Nenhum comentário: