quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

 Embarcações


No mar da vida ao enfrentar  tempestades seja vitorioso. 
Na parede a pintura de um barco trouxe-me lembranças da adolescência. Majestoso, aguardava-me nas águas do mar de Olinda. Juntos, íamos na busca de sustento. Quantas vezes isto aconteceu, não sei. Há muito e por muito tempo esta rotina foi trabalho, distração, vida. Aos quinze anos recebi um barco de tios que viviam da pesca. Por um período de um ano, quase todos os fins de semana, ia conferir o andamento, ver detalhes da sua construção, pensar nas cores: Queria azul, vermelha e cinza. No dia em que ele me foi entregue, o batizei com o meu pré-nome: Patrício. Assim criei a identidade. Não me perguntem  porque. Talvez no decorrer do conto, consiga transmitir o que na época não enxerguei.
Órfão, aos dez anos fui morar com os tios. Passava uma temporada na casa de um, ia para a casa do outro; deste modo, cresci. Sobre o mar assimilei tudo o que me ensinaram. Quando voltava cedo da pescaria, ia à escola. Nesta luta, consegui terminar a oitava série. De poucas amizades, sempre gostei de ficar só. No mar podia dizer, pensar, agir. Algumas vezes, falava e o barco respondia em meu segundo pensamento. Numa dessas ocasiões:
- As ondas lembram seres humanos. Você nota semelhança?
“Sim. Olhe esta: forte, alta, vem com arrogância. Se impõe pela força, pelo barulho ao quebrar, na vontade de dominar-nos.”

Respaldados pela experiência, enfrentávamos de proa, sem medo. Passávamos por cima como se nada nos tivesse atingido. Víamos ao longe, á beira mar, se desmanchar em espuma. Voltava branda reunindo energia, se agrupando para uma nova investida. Batiam de frente com força, porém nunca conseguiam derrubar-nos. Outras passavam suaves, pareciam harmoniosas. Pareciam cumprimentar-nos:

- Veja como o mundo poderia ser diferente: Homem e barco unidos para enfrentar a vida tendo conhecimento de que as ondas são para você o que o ser humano é para mim.

E, o escutei dizer:

“Está enganado. Ondas só demonstram temperamento: forte, fraca, ausente. O ser humano vai muito além. Tem inteligência, astúcia, ignorância, traição. Basta se determinar por querer. Quando enfrenta as ondas, logo define o modo de agir. Coloca-se em posição de defesa. As ondas não. Sempre apresentam as mesmas formas; por isto, jamais o coloquei em risco. Todo dia enfrentamos o alto mar. Passamos por momentos difíceis sim, não podemos negar, entretanto sempre os superamos.”
- Você tem razão. Por sermos previsíveis, torna-se mais fácil lidar com elas. O sucesso estará garantido se conhecermos as condições de navegabilidade e tivermos boa intenção. “Com o ser humano a coisa é outra. Sempre surpreendendo.”
- Concordo, para decifrarmos o que quer, demanda tempo. Às vezes, nem conseguimos. E aí passamos pela vida sem viver, fazer, ou ser.

Hoje, impedido de velejar, lembro-me das idas e vindas que fazia. Estou feliz. Tenho casa, mulher e filhos já independentes. Nenhum seguiu a profissão de pescador. As histórias contadas, talvez os tenha influenciado a seguir por outro caminho diferente do meu. Não interferi na escolha. Tiveram livre arbítrio. De tudo isto, tenho convicção de que:

“Cada um tem seu barco e seu mar.”


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