quinta-feira, 13 de março de 2014




         Sermão da Verdade

                        “Quando a gente se liberta dos nossos medos, 
                          nossa presença liberta os outros.”

       Nelson Mandela - 1994


- ... esta é a verdade, Tobias
- Você quer dizer, sua verdade, não é?
- Não, o que eu disse está na Bíblia.
- Você falou do jeito que está escrito. Será que decorou porque não entendeu ou tem medo de dar sua opinião.
- Nem um nem outro. O que está na Bíblia é o certo.
- Ah! Deixe pra lá, esta conversa não tem futuro.
- Espere, desarme-se. Não entendo você, Tobias, se não acredita em Deus, por que estuda Teologia?
- O que tem a ver? Isto tem importância?
- Tem sim.
- Posso ser ateu, mas o que me disse pode ser ou não verdade. Nem tudo que está na bíblia é o que você entende. Os textos foram escritos em forma de metáforas. Eles dão asas a imaginação.
- Vamos mudar de assunto que é melhor.
Enquanto isso, um homem de paletó e gravata borboleta que estava sentado no mesmo banco da praça que eles lia um grosso livro de capa preta. Ao pressentir que a conversa chegara ao fim, dirigiu-lhes a palavra:
- Perdão rapazes. Posso fazer algumas considerações sobre o que discutiam?
- Por mim tudo bem. - Respondeu Tobias. Adauto baixou a cabeça e nada comentou.
- Para que melhor entendam o que vou dizer, farei um breve comentário sobre a história do homem que há muito busca a verdade. A princípio imaginava que se um dia a conhecesse seria poderoso. E, utilizando-se da força física, tentou impor o que considerava verdadeiro. Tornou-se respeitado, feliz. No entanto, algo continuava a inquietá-lo. Na tentativa de sanar a angústia, descobriu que o poder financeiro em algumas pessoas proporcionava uma vida alegre, sem traumas aparentes. Partiu, então, para uma nova experiência; ter dinheiro, ter poder, ser respeitado. Não demorou muito para a insatisfação voltar. O domínio pelo seu semelhante não preenchia o vazio como imaginara. Observou que a felicidade não dependia apenas de poder e sim de valores agregados à formação da personalidade de cada um.
- Conforme as conveniências? É a isto que você quer chegar?
- Sim Tobias, até certo ponto sim. No início, por depender da educação recebida. Depois, cada um assimilava ao seu modo. O pensar e o agir são pessoais. A felicidade se aproxima ou se afasta de acordo com os valores que cada um agrega. Para se adquirir momentos de felicidade é necessário conhecer-se a si mesmo a fim de identificar as alegrias e tristezas que foram responsáveis pela formação da personalidade. Com isto, rapazes, a verdade de cada um se tornará explicita. Às vezes até única. Vocês têm razão no que defendiam. Continuem discutindo o assunto e irão notar que as verdades se aproximam. Nunca pensem que ela será única ou igual. Os caminhos, embora distintos, conduzirão a um entendimento porque a base da discussão é a mesma. Desculpem-me por ter falado tanto. Sempre me entusiasmo e esqueço que esta é a minha verdade e não a de vocês. Até outra hora. Foi um prazer conhecê-los. Em breve nos veremos na faculdade.
- Graças a Deus ele se mandou. Tobias, ele ensina mesmo o que?
- Sei lá. Se for professor pelo menos seja do último período. Já pensou quando ele falar sobre a ressurreição?
No corredor da faculdade encontraram-se com alguns conhecidos e se informaram da sala em que teriam a primeira aula de Teologia. Os colegas responderam que já estava na hora. Fossem rápidos, pois o professor não tolerava alunos que chegassem atrasados. Logo aceleraram os passos e viram apenas duas cadeiras vazias no final da sala. Naquele momento o professor, de livro da capa preta na mão, paletó e gravata borboleta acabava de entrar cumprimentando os alunos. Tobias e Adauto se entreolharam:
- Bom dia a todos. Meu nome é Elias. Não o profeta, mas um seguidor de suas leis. Vocês já devem ter ouvido falar do meu método. Muitos aqui nesta sala são veteranos. Acredito que devem gostar muito da matéria que ensino. Um fato é certo: prestou atenção tem condições de entender o assunto. Mais uma vez Tobias e Adauto se entreolharam:
- Vocês dois aí no meio da última fila, por exemplo, já tiveram a oportunidade de conhecer um pouco do que acredito ser “o conceito da verdade”, não é mesmo?
Os dois balançaram a cabeça em sinal de aprovação.
- Você, Tobias... É este mesmo o seu nome?
- Sim, senhor.
- Pois bem, ouvi um pouco do que conversavam na praça sobre a verdade da Bíblia. Entendi que você explicava para o seu amigo que uma verdade pode não ser única. Tudo depende da forma de entendimento de cada um, foi isso mesmo o que queria dizer?
- Sim, senhor.
- Pois bem eu continuarei o assunto a partir daí. Depois da aula os demais alunos irão lhes procurar. Passem para eles o entendimento de vocês. Nesta aula inaugural vou falar das necessidades do homem que desde os tempos primórdios procura entender os mistérios da vida. Com o domínio da escrita, tornou-se mais fácil registrar as diversas teorias do nascer e morrer, do ato de amar e de dominar o próximo. Entretanto, continua até hoje sendo o seu maior obstáculo, o entendimento da felicidade e do amor...

- Adauto não vou agüentar este assunto até o final da aula!
- Cala a boca, Tobias, ele não tira os olhos da gente.

...o homem utilizando-se da liderança, como primeira alternativa, conseguiu obter satisfação pessoal. Por determinados momentos sentiu-se em paz consigo mesmo e respeitado pelos demais. Com o passar do tempo foi descobrindo que não era a liderança, o domínio de seu semelhante o que lhe dava satisfação. E partiu para uma nova busca. Observou que os afortunados, os que detinham bens materiais, viviam alegres. Até certo ponto o poder financeiro lhes assegurava melhores condições de vida. Depois vieram as discórdias, as brigas, as batalhas para adquirirem mais terras, ampliar o seu reino, dominar o povo.
Passado uns tempos novamente sentiu-se vazio. Percebeu que a tentativa em busca da felicidade estava frustrada. Não era o domínio dos seus semelhantes nem de suas terras que alimentaria o ego. A satisfação pessoal não dependia dessas ações. Pensou, então: “Será que depende do conhecimento e domínio dos valores que cada ser possui?” Viu-se então impulsionado a saber o que motivava a alegria e a tristeza. “Será que existe alguém totalmente feliz? Alguém totalmente triste? Quais os valores que trazem felicidade ou tristeza? Como conhecê-los se divergem em cada ser humano? Será que no mundo existem duas pessoas que pensam igual?” E novamente veio a idéia de procurar entender o seu interior, e a formação de sua personalidade.
Com o conhecimento de si mesmo, o homem continuou a ter momentos de alegria e de tristeza. Nesta luta para desvendar este mistério notou algo mais que um simples conhecimento de si mesmo.  Seria necessário se aprofundar nos livros os mais diversos na tentativa do descobrir a verdadeira razão da sua existência...

- Eu não acredito que ainda estou aqui.
- Cala a boca, Tobias. Vamos esperar e ver onde ele quer chegar.
- É muita besteira numa só aula.
- Ele está olhando pra gente.
- Tobias, você tem mais momentos de alegria ou tristeza?
- Professor, eu nunca me preocupei com isso. Tem dias que não estou tão satisfeito, mas logo passa.
- Este é um dos males dos jovens. Não se preocupam em conhecer-se enquanto é tempo. Mas, continuando, o homem encontrou nas leituras um denominador comum. Profetas, escritores, filósofos escreveram sobre o amor. Esse sentimento está registrado nas mais primitivas formas de expressão. Entretanto não foi suficiente para explicar a inquietação humana. Era preciso entender quais as conseqüências advindas do amor e como proceder para adotá-lo como princípio único e fundamental de vida.
Diante deste desafio, recorrendo mais uma vez ao estudo, concluiu que o melhor caminho para o amor estava contido na frase: “Amai ao próximo como a ti mesmo”. E procurou o sentido de cada palavra nesta frase para as mais variadas formas de concepção de Deus. Observou que ora admitia uma entidade extrínseca, ora intrínseca, ao ser humano. Daí em diante começou a divergir de seus semelhantes. Os caminhos escolhidos tinham de ser únicos. Só existia um caminho porque a verdade era única. Com isso surgiram os Iluminados, aqueles de grande sabedoria, fé e domínio dos ditos poderes espirituais e paranormais, que os destacavam, os tornavam líderes. Não demorou muito para centenas, milhares, milhões de seguidores defenderem as verdades apresentadas como únicas. Estava criada a diversificação da verdade, estava criada a religião. E em nome de Deus os homens começaram a se desentender...
- Mas que aula chata, Adauto. Acho que ao sair daqui vou trancar meu curso.
- Cala esta boca. Está chamando a atenção dele, prepare-se que ele vai fazer mais perguntas.

...cada facção defendia a sua história, os seus dogmas, sem admitir, por hipótese alguma, argumentos contrários, por mais lógicos que fossem. Desencadeou-se em nome de Deus, verdadeiras batalhas e perseguições àqueles que desobedeciam as crenças e dogmas adotados em aldeias, tribos. Até mesmo em países ditos, na época, como os mais adiantados.
Com grande temor do que poderia acontecer sobre as discórdias ele pensou: “O que preciso para falar com Deus.” Lembrou-se, então, que a concepção do seu Deus é influenciada pela cultura e os valores pessoais da formação do seu caráter. E, começou a questionar: “Meu Deus é algo distante de mim ou está dentro de mim porque faço parte do Universo como uma partícula do todo?” De uma ou outra forma, acreditava na existência de um Criador. E, a principal meta era amar a Deus acima de qualquer coisa. Para isto seria preciso conhecer algumas outras diretrizes para alcançar o que pensara. “Poderei amar a Deus se não consigo amar a mim mesmo?” O homem dominado por esta dúvida tentou visualizar que motivos o conduzia a esta atitude. Fez, então, uma análise dos fatos marcantes de sua vida. Anotou as datas prováveis das ocorrências, ponderou os fatos significativos e, deparou-se surpreso; tinha muito a fazer para modificar o seu modo de pensar e agir até consigo mesmo. Só assim melhor se conheceria e quem sabe talvez pudesse fazer parte do Criador. Desta forma, jamais poderia deixar de amar a si mesmo. Com esta compreensão estava criada a segunda pergunta: “Como posso amar ao próximo como a mim mesmo se não o conheço?” Diante desta questão tão complexa para um mundo que gira em função de conceitos e normas variáveis para cada país, o homem se viu numa encruzilhada. “Ou me aproximo do meu semelhante, para melhor compreendê-lo ou não farei parte do Criador.” Foram várias as tentativas. De certa forma alguns conseguiram. Mas a maioria foi movida pela inveja. Inveja que gerou rivalidades. Cada um agia individualmente, embora estivesse numa sociedade com regras e normas iguais para todos. A concordância virou hipocrisia.  Foi utilizada apenas para adquirir favor em troca. E o amor ao próximo cada vez mais se distanciou.

Por hoje é só. Na próxima quinta feira, neste mesmo horário, a aula será sobre um trabalho de vocês e sobre as chances que vemos para conseguir uma união justa, honesta e com uma melhor distribuição de renda entre todos dentro do espírito do que lhes falei. Espero que formem grupos de cinco. A quantidade de folhas A4 é de no mínimo seis. Os dois lados da folha devem ser utilizados.

Tobias e Adauto ao saírem se encontraram com uns conhecidos que também cursavam Teologia. E entre uma conversa e outra, surgiu o assunto:
- Tobias, você gostou da primeira aula?
- Pra dizer a verdade, não.
- Então já sei que foi a do professor Elias.
- Como sabe?
Amigos, vocês caíram num trote.
- Trote? Ele não é professor?
- Que nada, ele é estudante. Há cinco anos vem tentando passar, coitado, mas não consegue. Aposto que falou sobre a verdade, sobre o homem, Deus, Universo, não foi?
- Foi isso mesmo.
- Todos os anos ele pega os novatos com esta historia que chamamos “Sermão da Verdade”
- Por que a Universidade permite uma coisa destas?
- Na próxima aula vocês vão receber as orientações do coordenador do curso e uma dos assuntos é sobre aceitar sem questionar. Algum de vocês interviu nas ponderações dele?
- Claro que não.
- Neste curso são mais do que necessários os questionamentos.
- Não sei porque me meti nisso!
- Tem calma, Tobias. Você vai ser um iluminado quando terminar o curso.



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